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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Resenha: A máquina de fazer espanhóis

valter hugo mãe – Editora Cosac Naify




O livro trata de Antonio Jorge da Silva, um homem de 84 anos que passa a viver num asilo após a morte de sua mulher. Apesar da premissa envolver um tema delicado e muito possivelmente triste e pesado, a forma que o escritor transmite tudo não deixa o livro ser um fardo para o leitor. Pelo contrário. Escrita poética, não rebuscada, coisa linda de ser ler mesmo. A historia não deixa de ser triste, mas a todo momento, a personagem principal exprime seus pensamentos e sentimentos, deixando transparecer a raiva e a ironia, dando um toque muito especial à narrativa, que é feita em primeira pessoa pelo próprio Silva. A trama tem como pano de fundo a época da ditadura salazarista em Portugal, que é tratada de modo secundário mas insistente pelo autor durante toda a obra. Através do tema da velhice, valter hugo mãe discorre sobre temas universais, como o amor, a perda, a amizade e a morte.

Eu amei esse livro. Amei valter hugo mãe e seu jeito de escrever maravilhoso. Aconteceu com ele o mesmo que aconteceu com o John Green. A historia não traz uma premissa inovadora, mas o livro é o que é pela narrativa dos autores. Com a diferença de que o mãe é mais denso nas questões que ele aborda. Só uma coisa me incomodou: o fato de ele não usar maiúsculas e não separar os diálogos com dois pontos e travessão. Isso dificulta a leitura no começo, mas não é difícil de se acostumar (palavra de alguém que facilmente teria abandonado o livro, caso fosse grave). Me identifiquei em muito com o Silva... foi assustador ver como ele parecia estar falando de dentro da minha cabeça em alguns momentos (talvez eu esteja ficando velha antes do tempo hahaha). Foi triste não poder marcar as varias passagens em que parei para absorver a beleza daquilo. Como o livro era emprestado da biblioteca, só pude copiar as frases... Segue algumas para vocês verem do que eu to falando:


E eu sorri. Senti-me um idiota por dentro, mas sorri. Era da cultura, o estupor da cultura que nos mascara cada gesto. Pág. 26


Sonhar um mundo é correr riscos ainda maiores. É ser-se ambicioso perante o que já é impossível. - Pág. 53


O Américo esperou uns segundos por que me acalmasse. Procurou um silencio limpo como uma folha muito limpa onde pudesse escrever uma frase mais digna e disse, um dia essa saudade vai ser benigna. A lembrança da sua esposa vai trazer-lhe um sorriso aos lábios porque é isso que a saudade faz, constrói uma memória que nós nos orgulhamos de guardar, como um troféu de vida. Um dia, senhor silva, a sua esposa vai ser uma memória que já não dói e que lhe traz apenas felicidade de ter partilhado consigo um amor incrível que não pode mais fazê-lo sofrer, apenas levá-lo à gloria de o ter vivido, de o ter merecido. Tenho até inveja de si, senhor Silva, porque eu tenho trinta e um anos e estou por aqui solteiro, já não vou a tempo de ter cinqüenta anos de uma grande paixão. – pág. 77


Aceitar que apenas a gestão do tempo pode fazer-nos escapar à loucura. – pág. 101


Sentir o que não existe é uma qualquer saudade de nós próprios. Muita coisa é apenas uma saudade. Muitos dos sentimentos. É como lhe digo. Sabe, até o suspirarmos por alguma acalmia que havia antes da revolução. Ó senhor Cristiano, não vai falar outra vez do regime. Não é isso, é que é importante pensar nestas coisas, respondia ele. (...) temos medo destes novos tempos, não são os nossos tempos, e precisamos de nos defendermos. Quando dizemos que antigamente é que era bom estamos só a ter saudades, querermos na verdade dizer que antigamente éramos novos, reconhecíamos o mundo como nosso e não tínhamos dores de costas ou reumatismo. É uma saudade de nós próprios, e não exatamente do regime e menos ainda de salazar. – pág. 116


A mulher corava novamente e desse modo se calavam por um instante, a pensar nessas levezas que não tem sequer dicionário e obrigam uma pessoa a depender da outra pelo lado mais delicado da beleza. – pág. 219


Depois confessei-lhe, precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de companhia, este resto de vida, Américo, que eu julguei já ser um excesso, uma aberração, deu-me estes amigos. E eu que nunca percebi a amizade, nunca esperei nada da solidariedade, apenas da contingência da coabitação, um certo ir obedecendo, ser carneiro. Eu precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de amizade. Hoje percebo que tenho pena da minha Laura por não ter sido ela a sobreviver-me e a encontrar nas suas dores caminhos quase insondáveis para novas realidades, para os outos. Os outros, Américo, justificam suficientemente a vida, e eu nunca o diria. Esgotei sempre tudo na Laura e nos miúdos. Esgotei tudo demasiado perto de mim, e poderia ter ido mais longe. – pág. 237


Perguntava-me por que não deixar que ficassem. Seriam uma historia bonita no feliz idade. E eu respondia que não, não queria, que as historias bonitas aconteciam por acaso, e eu acabara de aprender que a vida tem de ser mais à deriva, mais ao acaso, porque quem se guarda de tudo foge de tudo. – pág. 245


Sentiram o drama? Selecionei e mesmo assim ficaram muitas! Preciso falar que vale a pena ler?


5 estrelas


PS: gente, tenho problemas com títulos e suas mensagens nas entrelinhas. Deu pra perceber né... Então, alma bondosa, leitor inteligente: caridade por favor, seja gentil e explique para a minha pessoa o porquê de ser A máquina de fazer espanhóis. Grata.


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